quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

ENTRE O TER E O SER

por Inajá Martins de Almeida

Quarta-feira cinzenta. Meados do mês de janeiro do ano que já transcorre em dias (16/01/2019). O café nesta manhã me fora propício ao me perceber em meus espaços. Não muito distante de mim as mudanças físicas me acompanharão. É janeiro de 2019. E, breve, o mês abrirá espaço ao fevereiro e a nova casa estará aberta a mim.

Nesse período de transição, permito-me visitar espaços vazios da nova casa que, embora os anos denunciem longevidade, a mim será feita novidade. Paredes que requerem pintura, jardim que clama cuidado feminino, toque de mulher. Toques que produzirão efeitos modernos aos anos que guardam consigo memórias inestimáveis dos que ali habitaram. Agora, a mim compete preencher de vida os espaços que se tornaram vazios pela ausência deixada.  

Passeio pelos espaços repletos de lembranças, nesta casa que, aos poucos vai se tornando memória. Durante esses últimos nove anos, agregaram nosso ser ao ter que acumulamos - as que já carregava comigo, as que juntamos a dois. Ainda posso transitar em dois momentos - o presente que me é concreto e o futuro que aos poucos planejo - torno plano o que a vista alcança e refaço planos...



Móveis que o tempo envelheceu ganharam novidade em cor na mão do artesão. 

Estantes que se tornaram acanhadas, em si abrigam fragmentos de conversas, de estudo, de reflexão diária entre diálogos intermináveis e produtivos - falta me fazem os tais e quantas vezes me encontro a dialogar comigo, em voz alta até. 

Estantes que, recheadas de ser, agregam inestimável valor afetivo, sentimental. Ao ter, o ser fora agregado, impregnando-se em cada livro. Suas linhas transbordam em ser e me são companhia constante - nossos livros. 

Plantas me rodeiam e trazem consigo a natureza mutável. Muitas deixaram de existir em nossos espaços. Outras tantas se multiplicaram e resistem às intempéries da natureza.

Não sei se fora o café com leite,  saboreado a só nesta manhã cinzenta, tendo apenas por companhia meus pensamentos que jamais se apartam de mim, ou fora a própria mente que pode correr solta e livre entre o ter dos espaços ocupados ao ser dos espaços que são criados, que me levaram, frenética, às linhas. Quiçá, a pouca noite de sono, quando o envolvimento entre os textos me mantiveram atenta a este espaço, o qual me é reservado a disseminar minhas divagações nas linhas virtuais cibernéticas.   

Há pouco o filósofo japonês Ichiro Kishimi  dizia-me, no silêncio das paredes do meu quarto, da simplicidade do mundo.

"A coragem de não agradar" permanece em minha cabeceira de cama e em minha mente diária. Presente da prima Matilde, em poucos dias percorri suas linhas, abstraí ensinamento e retomo sua leitura, agora sob um olhar mais subjetivo do que o fizera quando da primeira. 

Sim! Quanto a releitura pode nos apontar vistas além do ponto, abrir portas, mostrar horizontes encobertos.



Retornei, então,  ao meu interior -  não me posso permitir sequestros de mim. Esse retorno que se faz cada dia mais necessário aos anos vindouros. Sentir e experienciar o silêncio, condição premente. Encontrar, reencontrar, transformar, reinventar o ser que me tornou o que sou, mas que pode ser melhorado a cada passo em busca do sentir maior que se nos apresenta a frente - nosso sentido de vida, para a vida.

E me coloco em mudança que, embora física, já consegue mexer o intelectual, sentimental, emocional e verbal.

Mudanças que me permitem esvaziar espaços com o ter, para que o ser possa fluir leve e livremente, pois entendi que o ter nos aprisiona, enquanto o ser nos liberta. O ter nos torna cativos de espaços que requerem por mais espaços  - cobram de nós alto custo quer em espécie física quer no emocional. O ser nos cobra pouco e nos liberta. Não requer espaço, pois nos acompanha a todos e em todos os espaços.

E, se hoje me permito mudanças é porque as possibilidades me fazem olhar sob a ótica do querer mudar, porque, como deixou registrado em seus diários, aquele que me fora tão diário 


"mudança a única coisa que permanece"

Permito-me, assim,  essa mudança constante, para que o ter não se sobreponha ao ser que me busca permanentemente.