segunda-feira, 15 de abril de 2019

UMA CANETA NOS CONTEMPLA

por Inajá Martins de Almeida

Uma caneta nos contempla e nos remete a nossas memórias; lembranças que podemos escrever; memórias que nos compõe; memórias que compomos quando uma caneta nos escreve por meio de nossas mãos.

Passei a perceber o valor de uma caneta, no instante em que escrevia. 

Retomei o passado e o desejo imenso por ter uma em meu estojo, agigantava-se em mim.

Sonho de menina que esboçava as primeiras letras em cadernos brochura, ora caligrafia, ora desenho, ora para os apontamentos diários - justificava o não poder subtrair páginas os tais brochura. O lápis consentia à borracha, apagar erros cometidos; os cadernos deveriam estar aprumados, bem organizados; suas linhas e páginas com o mínimo ou nenhum rabisco; amassados, nem pensar, orelhas em suas pontas inadmissíveis. Ainda hoje eles me atraem e vez ou outra os tenho perto. Lápis preto o indicado para as tarefas; coloridos para os desenhos. Impossível pular etapas – canetas viriam mais a frente. Ufa, quanta exigência para uma pequena que se esmerava no ofício das letras... 

Mas, como era gratificante ver os cadernos arrumadinhos, encadernados, pelas mãos suaves e delicadas da mamãe, com papel de seda coloridos entrarem e saírem de  mochilas como se fossem a passeios entre a casa, escola e vice-versa.

Nos finais de semana contudo, eram os cadernos levados pela professora que os portava nos braços com zelo e carinho, como seus próprios filhos,  para receberem anotações em suas páginas. Ansiosos aguardávamos o retorno, na expectativa de um parabéns, ótimo, bom, regular, você pode melhorar...


Este era o início do letramento. Brincadeiras muitas. Aprendizado. Alfabeto. Números. Contas básicas - soma, adição, subtração, multiplicação. 

A cartilha nos apresentava um Caminho Suave, a outros juntava-se os Amigos de Pedrinho. Tempo em que versávamos semanalmente entre a composição, dissertação e narração; anos que nos encaminhava o curso primário, com vistas ao ginásio, e como ansiávamos pelas etapas - oito anos que contávamos em júbilo crescente em conhecimento, aprendizado e prazer pelo estudo que jamais se apartaria de alguns, em especial  desta que escreve.

Que vontade me dá, retornar aquele longínquo passado repleto de sonho e encantamento pelo aprendizado; rever antigos colegas que o tempo não preservou. Estas linhas me tornam possíveis o resgate.

Mas eis que a perspectiva de uma caneta encontraria eco nos anos vindouros, quando então se poderia escrever com uma caneta tinteiro. Ainda não tínhamos as esferográficas. Meu pai era cuidadoso em preservar as tinteiros, dizia que o escrever era uma arte e que deveríamos primar em portar uma caneta que desse identidade ao nosso escrever. Mas o sonho da esferográfica ficaria latente; quando alguma colega exibia suas quatro, cinco cores numa mesma caneta, uma pontinha de desejo batia forte no peito.

Nas carteiras um pequeno espaço era então reservado para as tintas. Cada qual poderia trazer o seu vidro e  colocar ali, quando necessitasse, sempre com a recomendação da professora, para não sujar a roupa, a carteira, o caderno, as mãos - nem sempre possível. 

Incríveis lembranças que o tempo torna presente. 



As canetas esferográficas só adentrariam nossos hábitos e costumes quando estivéssemos no ginásio. Era a década 1960 que prenunciava anos para a formação que me levaria aos livros.



Canetas me foram presenteadas pelo pai zeloso pela escrita. A primeira uma sheaferr cinza, minha paixão guardada por muitos anos, a outra parker 51 preta com tampa dourada, também tinteiro. Não me contive e me rendi às imagens em captura. Mudanças várias, entretanto, momentos outros, apartaram-me dessas que me acompanharam numa jornada tão significativa. Distantes nesses mais de cinquenta anos,  a memórias almeja o sentir o toque daquelas que se perderam em algum instante e local que não se conta, contudo impossível; fico apenas com o resgate da imagem que se assemelha.

Assim, hoje a modernidade nos torna práticos e uma esferográfica condiz às nossas necessidades prementes. Também, quantas vezes nossos apontamentos se fazem diretamente no teclado de um computador, sem passarmos pelos brochuras, lápis, esferográficas, borrachas. A teclado nos agiliza, a tela tudo permite - cortar, apagar, acrescentar.

Tempos outros em que, ao contemplar uma caneta, pude me encontrar com minha infância e adolescência, minhas memórias mais significativas de um tempo que o tempo não apaga da lembrança, agora mais ainda, transposto para estas linhas.  

Ao término deste texto, o qual me fora tão prazeroso revolver um passado tão presente em meu questionar, a galáxia internet me proporcionou o contato com belíssimo trabalho acadêmico da professora doutora em educação pela Faculdade de Educação da USP, Wiara Alcântara, sob título "A transnacionalização de objetos escolares no fim do século XIX", donde pude capturar imagens de carteiras as quais poderiam representar aquelas que me levaram aos primeiros ensinamentos escolares. Sentávamos em dois, muitas das vezes um menino e uma menina, para ordem e disciplina. No ginásio as carteiras eram individualizadas. Ambas possuíam compartimento para guardar nossos pertences sob a mesinha e o orifício para os tinteiros. 

confira o trabalho em 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142016000200115  


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