Por Inajá Martins de
Almeida
Há livros que falam por nós.
Falam de nós. E, principalmente falam para nós. Escrevem-nos. Revelam-nos
intimidades incontidas. Compartilham intimidades.
Ah! Suspira o leitor ao encontro.
Ah! Suspira o livro ao leitor.
“Ladrões” sorrateiros às “palavras”
(1)
encontram eco. Bailam. Rodopiam no grande e infinito salão da mente. “Leitor
do outro”(2). É quando sentimos a necessidade da escrita. Quando então o
autor nos diz que “escrever é ocupar um
lugar... dizer o que aconteceu”(2).
E queremos realmente dizer o que
nos trouxe o encontro. O que nos levou ao encontro. O sonho que adentrou o sono.
Sorrateiro. Fantástico. Pensamento que se fez consciente no inconsciente
noturno. A sala de aula. O professor a indicar a leitura. A jovem partícipe da
questão em detrimento aos ausentes, tantos, que não podem se perceber ao
enunciado daquele que compactua o autor. Era o livro que, à cabeceira da cama
não descansava.
É o livro, agora, que se
transforma em “ladrões de palavras”(1) .
Forma frases. Permite-se escrever “tantos outros livros, como se tivesse sido,
pouco a pouco, tragado”(3).
E pode-se voltar ao encontro não
planejado. Não programado. E à reflexão, mente, alma e coração sentem mãos
invisíveis que conduzem ao ensinamento maior, quando leitor silente observa,
obedece à voz interior e aguarda a colheita.
A grande livraria, centro da
cidade, abriga títulos incalculáveis. A promoção chama atenção para si. Ditames
do saber incontido, passo a passo, observam os passos firmes do leitor in
potencial, que sobe pequena escada de pedras mármore e adentra aquele santuário.
A mesa abriga títulos a se
perderem na vista do leitor. Um, selecionado, é deixado à margem. Volumosas
páginas a se contarem em quinhentas, chamam atenção. Parágrafos, palavras,
vasta bibliografia não condizem com o valor ínfimo a que se propõe a oferta – a
mente vem.
Há que se pensar então nas horas
investidas à pesquisa. No tempo dedicado ao estudo à coleta de
informações. No autor até então
desconhecido. É digno o preço? Mas vamos lá! Conjeturas a parte.
Assim, leitora que acostumada
fora a tantos títulos, tantas bibliotecas, agora se vê impasse ante aquele que
começa a lhe tragar o sentir pleno e mágico da leitura. Percebe, leitora, que “cada
livro é o último e o primeiro”. (4). Livro
que lhe ofusca a mente em delírios frenéticos. Se primeiro fora, o impacto das
gravuras trariam colorido às palavras. Porém, percebe-se o último ante as
palavras que se avolumam, negras, quebrando o branco do papel.
Volta-se às Leis da
Biblioteconomia e encontra Ranganathan a lhe dizer que a cada leitor o seu
livro e a cada livro o seu leitor. E percebe o zelo. O cuidado. O cuidar da bibliotecária
que jamais pode se apartar dos ensinamentos primeiros. E a técnica que não se
distancia da Técnica pode resgatar da memória habilidade adquirida no passado,
na presente atitude.
Fora então o encontro. E as
páginas registram:
“O encontro do autor com “seu” leitor – quem pertence a quem – tem
muito do encontro às cegas em que, cada um, crendo se interrogar sobre o outro,
na verdade espera que este lhe diga sua própria identidade” (5)
Mas, agora, de posse do livro, a
noite de insônia saudável é a leitora que questiona:
–Quantas vezes os livros nos bastam! Quantos
autores podem nos escrever! Daí, o que dizer
dos livros interiores? Quem os poderia escrever? Quem os tais, sabedores do
silêncio noturno poderia expressá-los?
O tic-tac do relógio que,
compassado, segue ininterrupto seu ciclo diário? Horas infinitas de momentos em
movimentos podem trazer à pena e ao papel a expressão de vistas ao ponto? Ou
até, quem sabe, paredes brancas a observarem, mudas, frias, taciturnas, podem registrar
o segredo daquele encontro.
Quem sabe? Quem o pode saber?
E entende – leitor – que ninguém
senão ele próprio possa ser o protagonista das horas silentes de vigília. E
fora o livro – o último – que lhe encaminhava às reflexões. Roubava-lhe o sentir
leitor. Enveredava-o às palavras. Instigava-lhe o escritor latente ante as
palavras que aos poucos se descobria. Centenas? Milhares? Palavras bem
colocadas. Formatadas ao esmero do autor. Citações emprestadas. Composições articuladas,
enfeitadas aos moldes literários impecável ao olhar atônito do leitor que
encontra eco mediante palavras roubadas. Melhor ainda, não se ruborizam ao
compactuar “ladrões de palavras”, tantos.
E segue leitor a leitura. Agora o
livro. Mas, as estantes, em fileiras ordenadas, deixam para trás de si ecos de
tantas outras leituras. Palavras a se perderem de vista. Livros que não se
bastam. Livros que não nos bastam. “Livros... Livros... A mão cheia... Grita o
poeta”. (6)
É a vista do leitor que encontra
no ponto final do autor, na obra acabada, caminhos para compor a jornada que se
abre, deixando acesso livre ao pensamento, que agora se apossa do leitor. Mundo
das ideias a permear espaço e tempo. (7) Dimensão de que possível se torna escrever
tantos pontos quantos forem os pontos que a vista possa alcançar.
É o ponto final da obra do autor
que propicia a nova obra no leitor. “O leitor do outro”. (8) E, como se pode sentir latente o desejo
mórbido pela escrita, gavetas são revolvidas em busca dos papéis. Papéis de
lembranças.
Papéis velhos, pontilhados de
palavras. Papéis novos, pontilhados de esperança. Folhas em branco a
representarem novos papeis. Retalhos amealhados. Retalhos de cetim. Retalhos de
algodão. Retalhos de lã. Retalhos de seda. Retalhos de sede. Retalhos do escritor.
Retalhos do leitor. E escrevemos, porque na escrita sentimos a liberdade que
nos leva além das paredes. Liberdade que as palavras proporcionam leva-nos aos
encontros.
E sentimos um quê de saudade. Um
quê de alegria. Um quê de desejo pela obra que não é nossa, mas que tão bem
pudera ser. Palavras que poderiam ser por nós escritas, porque tão bem nos
escrevem. E nada de novo, porque tantos pensaram. Tantos pensam. Tantos
escrevem. E lemos nos outros, o que os outros lêem em nós. Estranho. Quantos
gostariam de escrever o que escrevemos. Quantos escrevem o que gostaríamos de
escrever.
Tornamo-nos, assim, “sósias” (9) dos
que escrevem. Discordantes de pontos de vista, não nos distancia da obra. Ao
contrário propiciam criar pontes. É o livro que toma seu lugar. (9)
E rimos. E choramos. E o coração
transborda ao encontro. E, ao invés de ficarmos “ressentidos"(9) pelo
que o autor escrevera, sentimos uma alegria imensa por nos encontrarmos em suas
linhas.
E “nas margens do livro”(10) escrevo
para que eu mesma possa ler algum dia:
- Não podemos modificar a
natureza da palavra, mas amoldá-la para que ela possa se amoldar à sua
natureza: a natureza do escritor. Cada qual ao seu modo. Roubando. Tomando
emprestado. Plagiando. “Ladrões de palavras”.
- Ladrões de Palavras. Michel Schneider”.
- Idem – pág. 404
- Idem – pág. 139
- Idem – pág. 10
- Idem – pág. 15/16
- Castro Alves (* - observação da autora do texto)
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_das_ideias (* observação da autora do texto)
- Idem- pág 404
- Idem pág 428
- Idem pág. 481
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SCHNEIDER,
Michel. Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e
o pensamento. Michel Schneider; Trad. Luiz Fernando P.n.Franco. Campinas, Editora da Unicamp, 1990. (Coleção Repertório)
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