segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O OLHAR DE BORGES - montando meu próprio livro



O olhar de Borges: uma biografia sentimental
      Solange Fernández Ordóñez. Editora Autêntica, Belo Horizonte. 2009. 

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MONTANDO MEU PRÓPRIO LIVRO


Sexta-feira. 30 de outubro de 2015. Aproprio-me do livro. Enquanto escrevo, o olhar atento de Borges segue-me. Frio. Vago a mirar o infinito mal pode imaginar o sentimento que minh'ama queda. 

As mãos ligeiramente apoiadas sobre sua bengala, concede-lhe a autoridade só permissível aos anos vividos. Jornada empreendida por poucos. É o olhar de Borges sob a biografia sentimental de Solange que me fita, através da capa do livro que o tenho em mãos.

E é assim que a imagem salta da capa negra e vem enredar meu pensar. Sob meu olhar repousa os olhos embaçados de Borges e me levam às palavras. 

Aposso-me delas. Revivo textos em meu viver. Em Borges encontro similaridade da casa paterna. Os livros. A biblioteca que meu pai formava. As estantes na sala, sempre bem cuidada, depositárias de grandes vultos...

"Nessa biblioteca do passado... minha infância transcorreu...
e eu nunca saí dessa biblioteca." (pág.21)  

Homem de letras - meu pai - conseguiu legar-me o gosto aos livros. O prazer, o entendimento, as reflexões das leituras. O propósito que se deve impor ao ato de ler. Mais ainda, escrever.

Construía aos poucos, sem o poder imaginar,  minha profissão. Criança ainda, atraia-me organizar a biblioteca. As estantes chamavam-se atenção especial. A curiosidade levava-me a desenvolver um método em que se pudessem agrupar os assuntos e, sem que houvesse quem me direcionasse a tal, a meu jeito desorganizava o acervo para depois poder organizá-los novamente, sob os protestos de minha mãe que dizia: 

- Seu pai vai ficar furioso com a nova ordem.


Eu me sentia tranquila e lhe mostrava o feito com alarde e satisfação. Tudo ficava a contento.

Eram assim os livros de meu pai que me chamavam. Não diferente dos novelos de linha de minha mãe que rodopiavam em minhas mãos entre agulhas. 

Aos poucos, 
enquanto lia os livros,  
eram os livros que insistiam em me ler. 

Na medida em que tecia os novelos de linha, 
eram as linhas que me enredavam em tramas tecidas. 

Assim eu me via a escrever nas linhas
as linhas que nos livros lia!


(A foto registra um momento, bem mais atual, em que meu gatinho Gere observa curioso a bagunça que se faz antes que a ordem encontre seu método).

Na estante desfilavam autores. Meu pai lá estava também. Álbuns volumosos retratavam heroicos feitos de homens bravios.

Álbum de Araras. Álbum de Araraquara. Álbum de Rio Claro, cidade que me vira nascer. Presente que me fora legado - minha herança maior pudera meu pai me presentear.

Ah! Solange. Foram seus "mosaicos" que me levaram a rascunhar meu próprio livro (pág.17)

Se Borges tanto pudera lhe inspirar, porque não meu pai trazer-me à memória a riqueza de sua própria vida sempre entre livros, fatos e vultos históricos?

Assim imaginando, serviu-me de motivo esta agenda. Ultrapassada pelo tempo será agora depositária de minhas mais gratas lembranças. (1*)

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(1*) Em 30 de outubro de 2015 adquiri uma agenda de 2014 a um preço muito convidativo. A capa inspirou-me a escrita. As linhas verdes, delicadas propuseram-me o registro das minhas mais significativas impressões mas, para que as informações nela depositadas perpetuassem, o blog seria o veículo especial. Eis porque aqui o tempo irá contar essas memórias que, sob O olhar de Borges um marco se abre no horizonte das letras e das linhas. O livro tem me inspirado por demais devido a semelhança com que o autor retrata sua vida. A linguagem de Solange atreveu-me os rabiscos. Agradeço a ambos. Assim como também a facilidade e preço com que o volumoso livro pode chegar às minhas mãos. Também ao zelo da R&R Livraria - São Carlos (Rodoviária) que cuidadosa na exposição das estantes, nas escolhas dos livros. Tudo moldado para chamar atenção desta leitora.    
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E Solange dá sinais em sua visão de Borges:

"Imaginei-o desse modo para que cada leitor possa ir montando seu próprio livro, do mesmo modo que, quando conhecemos alguém, nos inteiramos de sua vida, de forma confusa e desordenada e não lhe pedimos sua ficha autobiográfica". (pág.17)

Quantas vezes pedi ao meu pai fizesse-me sua autobiografia, ao que me dizia não ter nada de interessante a registrar.

Agora, entretanto, compete a mim esclarecer não ser verdade. Sua vida fora riquíssima de significados tais que, a mim, importo o registro para que não se perca no tempo do esquecimento, o mesmo que a mim fora cometido durante todos esses anos em que as atribuições da lida, não me ocasionaram parar e atentar aos registros tão necessários aos que estão caminhando. 

Ademais, posso eu apropriar-me das palavras e aqui tornar a registrar:

"Quem me dera fossem minhas palavras escritas,
que fossem gravadas num livro,
com pena de ferro e com chumbo,
para sempre fosse esculpidas na rocha!" Jó 19:23-24


De meu pai, a "herança paterna", torna-se gosto e prazer - leitura que agora se pode desenhar, escrever. Dos livros a pena salta e  ensaia passos curtos, largos, generosos a deslizar o papel com suas linhas delicadas. Aos poucos a tecnologia compactua o feito.

Meus pais já não se encontram em nosso convívio. Como querubins partiram. Mas, suas lembranças tornam-se desejosas pelos registros. A saudade pelo tempo da ausência, torna presente a presença que fora por longos anos. A mãe 77 anos. O pai 94 anos. (2*)

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(2*) O caderno de anotações registrou esses tópicos. Seis páginas escritas a mão que aos poucos irá compor meu próprio livro. Sexta-feira, manhã do dia 30/10/2015.
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