Reflexão por Inajá Martins de Almeida
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Leitura sempre me é instigante. Nesta manhã (16/10/2018) o encontro com Claudia Nina, em seu texto na Revista Seleções de dezembro 2015 - "Diários secretos ou nem tanto" - levou-me a reflexionar sobre meus apontamentos e grifos em livros, em cadernos, os quais podem deixar pegadas e pistas - tanto as externas quanto as internas. Daí a necessidade de perceber o momento em que me vejo confrontada com a realidade que não estava registrada em meu projeto presente e futuro. Pelo menos num futuro tão próximo. Eis que passo a discorrer, sob inspiração, tanto da autora - Claudia, quanto da presente em mim, a impressão que me deixara os espaços, os quais passo a revisitar e revisar.
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De tempo em tempo gosto de retomar as
organizações dentro de minha casa. Geralmente elas me motivam pouco antes do
término do ano, momento em que revejo minhas plantas – algumas se recompõem em
novos vasos; o pequeno canteiro é remodelado. A área se torna verde,
transforma-se em luzes natalina.
Este ano meu natal terá um
colorido adverso ao que pensara – meu companheiro partiu, deixando-me o mesmo
sentimento de vazio que há anos sentira, quando do distanciamento de minha mãe,
próximo aos festejos natalinos. Se um é recente, outro já se conta em quatorze
anos.
Entretanto, partidas podem nos
levar a rever nossos momentos compartilhados e acumulados – roupas, livros,
móveis, objetos pessoais, tantos mais... Será que tudo poderá permanecer como antes,
ou terá de encontrar nova maneira de ser e ter?
Não me quedei a pensar por muito
tempo. O vazio deixado fora maior do que a organização que se fizera se fez e
se faz necessária. O armário compartilhado fora o mais rápido e fácil de ser
desmembrado – roupas separadas logo encontraram novos corpos, distante de minha
vista.
O quarto me fora o espaço
primeiro a quedar meu jeito de ser e ter. Armário todo formatado, as cabeceiras
de cama ornadas com flores e abajur, ao invés de livros. A colcha colorida, recentemente
escolhida e comprada a dois, os travesseiros a mostra. Tudo ao meu gosto
pessoal – toque de mulher que agora terá de se acostumar ao viver só... Livros
na sala, nas estantes.
Nossos livros, nossas leituras
diárias, entretanto, não me distanciaram – jamais poderão me distanciar da
bibliotecária que sou – e a eles me lancei de forma a mais cuidadosa e harmoniosa
possível.
Nossos livros contam a trajetória
de uma década. Nosso primeiro encontro. Nossa primeira Feira do Livro em
Ribeirão 2008 – outras vieram. Nossas visitas a livrarias, sebos, cafés. Nossos
livros a mão, em nossa cabeceira de cama, em nossos estudos constantes. Nossos
livros editados – um (o seu 2009) pequeno ensaio Reflexões Definitivas; o meu e
da prima Matilde – Álbum das Bandas de Araras (autoria de Nelson Martins de
Almeida – meu pai 2017).
Nossos livros... Um a um minuciosamente passam por minhas mãos. Registrados, individualizam-se nas estantes.
E relembro tua primeira pintura a mim dedicada - nós a batizamos de Livros sobre a Mesa. E eles falam muito de nós. O chinelinho sob a mesa, a bolsa no chão, a janela aberta ao horizonte que nos apresentava límpido, inteirinho a nós. O vaso de flores, enorme, como enorme era nossa expectativa ao porvir que nos apresentava o momento. Um pequeno retalho de madeira não se intimidou a receber a obra do pintor em sua simplicidade. Agora só permaneceu a imagem. A madeira envelhecida corroeu a pintura e se perdeu entre tantos outros momentos pelo caminho.
Folheio alguns – terão tempo para
me levarem aos apontamentos, aos grifos e sigo em frente. O tempo não me é
cansativo. Agrada-me as estantes repletas de títulos e autores – lidos, relidos
e que consigo guardam memórias escondidas...
Eis que, nesta manhã em que o
tempo prenuncia chuva, o ar fresco matinal me encontra a revisitar as revistas,
que por último permaneceram, e a buscar assuntos que me foram tão
significativos em cada leitura. E estanco. O título me fala – “Diários secretos
ou nem tanto”... Epa! Sua autora, em especial, encontrou-me em afinidade tal
que sempre a busco entre as folhas das Seleções – acostumada a encontrá-las
desde a infância, quando meu pai as tinha encadernadas (hoje já não as tenho
mais... mudanças várias não nos permitiram levar conosco tantos livros, tantos
móveis, tantos ... ), porém, Élvio as comprava casualmente.
Interessante! Noto as mudanças: umas de lugar
e local, outras dentro do mesmo espaço e percebo necessário se faz o
distanciamento de tantas coisas que ousamos pensar essenciais, mas que, por
algum motivo ou razão, deixou de ter significado para o que se apresenta no
momento e para o futuro. As revistas, belamente encadernadas, distanciaram-se de
mim. Hoje poucos exemplares os guardo.
Percebo nitidamente o momento de
rever os espaços em nós...
Abro armários de cozinha. Caixas se
avolumam. Sua função tornara-se desnecessária e são descartadas. – quantas. No
que me compete a artesania, linhas esparsas em cantos e caixas vários podem e
devem ser agrupadas, e são. Na gaveta de armário, pode-se ver e ter o material
útil para novos trabalhos artesanais.
Móveis velhos abrem espaço ao
novo. Sapatos, roupas, renovam-se no armário que se enxugou. Apenas o básico,
necessário. Nada de acúmulo. Nada de sentimento de posse, de saudade.
Eis que uma revisão geral se
tornou presente. Fora necessário. Aquele que me era tão presente, ausente se
fez aos espaços que compartilhávamos a dois. Tornaram-se imensos os compartimentos.
Mas, realmente são nos livros que
encontro meus espaços mais significativos. Neles as lembranças saltam em linhas
minhas memórias, as quais gradativamente serão revisitadas e transformadas em novas
linhas.
Se as linhas, aconchegadas na
gaveta de armário, podem conter pontos, quantos contos poderão conter meus apontamentos
nas estantes acumulados.
E se nesta manhã Claudia Nina, em
seu artigo de dezembro de 2015, novamente me levou às linhas, esse encontro
solitário e silencioso, razão da entrega frenética a sua leitura, valeu-me a
imaginar meus próprios apontamentos e um desejo imenso de poder a eles retomar
constantemente e me perceber em seus grifos – nos que apontei, nas datas que delimitaram
o tempo. Quiçá, a possível releitura, me levará ao encontro de novos espaços em
mim, o qual me passara despercebido.
E para finalizar minha reflexão
nesta manhã em que o sol se apresenta tímido, tomo posse da frase de Élvio e que aprecio sobremodo:
- “Mudança! A única coisa que
permanece”. (Elanklever)
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